Naquele dia, tal como nos outros, acordei cedo, coloquei meu
roupão e a água para ferver enquanto eu arrumava a mesa para o café da manhã.
Pela janela que suava feito porca, pude observar as casas da vizinhança. Casas
com ar de mofo, bebidas e orgias da madrugada. As crianças pegavam o ônibus
velho que as levariam para o colégio imundo que estudavam. Meu pensamento fora
interrompido pela chaleira, que gritava pela água fervida.
À medida que o café era feito, o cheiro tornava-se cada vez
mais nostálgico, a ponto de me fazer lembrar os risos da minha infância. E
ligeiramente, uma onda de sensações tomou conta do meu estômago.Sentei-me na
mesa e comecei a comer sozinha, pois meu marido ainda demoraria para acordar. O
cheiro de café novamente penetrou na minha alma, trazendo consigo recordações
que eu não queria lembrar. Eu não queria sofrer ainda mais, entretanto, como um
filme, minha infância passava por minha mente, me fazendo lembrar dos planos e
desejos que eu criava em torno de um futuro casamento. Planos que eu não me
cansava de contar para as bonecas no quintal de casa.
Minha mãe casou-se com dezessete anos, e esperou o mesmo de
mim, que fui obrigada a casar com um namorado que mal me compreendia. No
primeiro ano de casamento tudo ocorreu bem, nós até parecíamos felizes, talvez
porque ambos se obrigavam a amar. No segundo ano começou o estresse devido ao
trabalho excessivo. Nós não sabíamos o que estava acontecendo, e então
resolvemos ter um filho. Acho que esse foi o maior trauma da minha vida, eu era
seca por dentro, eu não podia gerar filhos, e meu marido me culpava por isso.
Nada do que eu fazia era bom o suficiente para lhe fazer sorrir, e isso ia
doendo, machucando em mim.Ora bem, ora mal: Assim passamos vários anos juntos. Dormíamos
bem longe um do outro, e eu sabia que nas madrugadas que ele passava fora,
buscava não só bebidas, mas também mulheres. Ele me batia, eu chorava. As
lágrimas corriam furiosamente por angústia, raiva e culpa por não conseguir
gerar um bebê, mas naquele dia, depois de mergulhar nessas lembranças, resolvi
mudar a nossa relação. Passei o dia inteiro planejando, quieta. E ele nem
desconfiava da noite que lhe aguardava. Jantamos sem trocar muitas palavras, e
seguindo a sua rotina ele foi ler na cama. Cheguei no quarto de fininho,
desliguei o abajur, e carinhosamente como nos primeiros meses de casada, passei
minhas mãos entre seu pescoço e disse baixinho em seu ouvido:
- Boa noite, querido.
Sem tempo de ele fazer ou dizer algo, o cobri com o seu próprio
sangue. Sangue que saiam de furos que orgulhosamente eu fazia em seu corpo. Fiz
repetidamente, até que sua respiração parasse e meu ódio também.
Minuciosamente tomei banho, deitada e relaxa na banheira, limpando cada vestígio em meu corpo daquele homem porco, nojento. Peguei todo o
dinheiro que guardávamos, arrumei algumas peças de roupas, olhei pela ultima
vez o lençol branco, repleto de sangue. Corajosamente entrei no carro, e dei
adeus para aquela cidade. Despedi-me não só da cidade, assim como dessa minha
velha eu, velha Marli.
Mas em dias escuros, em bares, sempre aparecem novas
pessoas.
- Como é o seu nome?
- Luana.
Nova vida, novas pessoas, novos homens. Talvez, novas
vitimas.
Luana u.u
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