1990, Amsterdã – Ela bocejava, brincando com a fumaça que
saia de sua boca. O frio era intenso, e ela cobria sua cinta liga e o seu
vestido curto com um grande casaco cor creme. A rua estava escura e suja, quase
silenciosa. Mas os sapatos altos que ela usava para trabalhar batiam no chão e quebravam
o silêncio.
Chegando em casa, naquela pequena imundice, havia algumas
contas atrasadas encima da mesinha da sala, enquanto na geladeira, nada.Saiu novamente, dessa vez com calças, rumo a uma lanchonete
que havia a algumas quadras dali. Sentou-se sozinha, embora a mesa fosse bem
espaçosa.
- Um lanche de queijo com tomate e um café, por favor.
Esperava distraidamente pelo pedido, até que escutou um soar
na porta, era o sininho que anunciava a chegada de alguém. E naquela noite ela realmente não esperava
ninguém, muito menos um homem tão bem vestido e bonito como aquele.
- Posso me sentar aqui?
- Sim
“Será que ele estava em busca de meus serviços, ou me
reconhecera da boate?” Pensava a menina da gare. Ele fez seu pedido e continuou sentado, até então o silêncio
reinara.
- Quem é você?
- Fernando.
- Prazer, Maria da Glória – Lúcia.
- O que você faz aqui?
- Trabalho.
- Aonde?
O diálogo fora interrompido pela garçonete, que chegou com
os lanches. Lúcia começou a mexer o café, fazendo de conta que tinha se
esquecido da pergunta que Fernando fizera.
- Você trabalha aonde?
- Numa boate.
Ele não pareceu surpreso, muito menos a desprezou. Pelo
contrário, sorriu.
Comeram e conversaram, e a hora passou.
- Bom, já é muito tarde, quase amanhecendo. Eu preciso ir,
mas foi bom conhecer você, Fernando.
- Não, por favor, deixe que eu a leve.
Para Lúcia era estranho estar em um carro de um homem, já
que as únicas vezes que entrara, fora para fazer o seu trabalho.
- Vira ali naquela rua escura, quarta casa à direita.
Fernando parou o carro e fitou os seus olhos. Depois a sua
boca. – Ele a observava docemente. Era visível a timidez de Lúcia, embora nas noites da boate
ela não demonstrasse.
Fernando a beijou, mas não demorou muito para ela interromper
o ato.
- O que você quer de
mim Fernando? Eu sou apenas uma dançarina de boate!
- Quero você.
Bom, eu e Fernando continuamos a nos encontrar pelas tardes
naquela mesma lanchonete durante anos. Comecei a estudar, me formei e nos
casamos. E hoje estou aqui, escrevendo para vocês a história de como
a minha vida mudou. Mudou, por causa de um homem que se apaixonou por uma
dançarina de boate, e amou-a durante meses, todas as noites, em segredo. Mas
essa já é outra história.
Porque por trás de uma Capitu, sempre há uma Senhora. E por
trás de uma Senhora, sempre há uma velha Capitu. Pobre seria desse Bentinho?