quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sépia

 
 Naquele mesmo quarto, ainda acendo o abajur antigo, e sento na velha poltrona estofada em couro preto – que muito bem conhecíamos–. Fumo o meu charuto, bebo amargamente a minha dose de conhaque e ligo a vitrola. À medida que a agulha encontra o disco, e as notas fluem, mais me afundo em mágoas e recordações, derramando lágrimas cheias de saudade. Ainda falta você.

Noite de Dezembro de 1987.
  As ruas estavam muito bem iluminadas devido a enorme quantidade de pisca – pisca que coloriam a cidade, trazendo graça e uma ótima sensação. As crianças cantavam canções natalinas, os meninos soltavam rojões, as famílias tomavam sorvete na praça. E nós, a caminho do meu apartamento.
 Uma excitação, um beijo de chegada. As chaves giram e a porta é fechada com o impacto do nosso encosto. Nossas roupas, no chão. Beijávamos e íamos derrubando tudo, até chegar ao quarto.
   A meia luz do abajur a deixava muito mais alva, e seus olhos, muito mais esverdeados. Impressionava-me o quão rosados e delicados eles eram. Perfeitamente de acordo com o resto do corpo. Seus longos cabelos negros beiravam as suas costas, marcada pelo seu quadril e a sua cintura, tão fina.
 Seu silêncio cochichava em meus ouvidos, penetravam, revelavam muito mais do que você poderia – se estivesse em condições- dizer.
Minha bela, minha menina, minha companheira de teatro. Sabia tanto de mim, conhecia meus mais profundos desejos, mesmo sem que eu relevasse-os.
A janela, escorria pelo nosso calor. E hoje, de olhos fechados, posso recordar o seu beijo, toque e olhar-chumbo-, penetrante.
 Incontestável, mulher de satanás. Surrealmente perfeita, paradoxalmente maquiavélica. Aos céus, e ao inferno levava-me.
 Aquela música, aquele quarto. Qual o sentido, senão você?

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